A presença de uma onda R alta nas derivações V1 e V2, definida por uma relação R/S > 1 ou pela presença de onda R pura, é uma alteração que deve sempre chamar a atenção. Embora possa ser observada como variante da normalidade — especialmente em crianças ou adultos com rotação anti-horária do coração —, sua identificação exige uma análise cuidadosa, pois pode indicar doenças cardíacas estruturais ou erros técnicos.
Neste artigo, revisamos as 10 principais causas de onda R aumentada em V1 e V2, com foco nos mecanismos eletrofisiológicos e nas pistas diagnósticas mais relevantes.
1. 🧱 Área Eletricamente Inativa na Parede Lateral
A presença de fibrose ou necrose na parede lateral do ventrículo esquerdo (como em infartos antigos) pode gerar uma onda R alta em V1/V2 — fenômeno conhecido como “imagem em espelho” das ondas Q das derivações laterais (V5–V6 ou V7–V9). Nestes casos, frequentemente se observam também alterações de repolarização com T positiva em V1.
🧪 Dica diagnóstica: solicitar derivações posteriores (V7–V9) e investigar cicatriz lateral por ressonância cardíaca ou histórico de infarto prévio.

2. 🔵 Bloqueio de Ramo Direito (BRD)
O BRD completo é caracterizado por QRS ≥ 120 ms e padrão rSR’ ou R pura em V1. A onda R alta aqui reflete o atraso na ativação do ventrículo direito.
🧪 Pistas associadas: empastamento terminal do QRS em V6 e D1, eixo normal, e presença de onda S empastada.

3. 📐 Bloqueio Divisional Anteromedial (BDAM)
Esse bloqueio afeta um fascículo anteromedial do ramo esquerdo, redirecionando o vetor inicial do QRS para frente. O resultado pode ser uma onda R progressivamente alta de V1 a V3.
🧪 Importante: é um diagnóstico de exclusão, e seu reconhecimento ainda é controverso.

4. 🧬 Cardiomiopatia Hipertrófica (CMH)
Na forma septal assimétrica da CMH, a hipertrofia do septo interventricular pode gerar ondas R altas em V1 e V2. O ECG também pode mostrar sinais de sobrecarga ventricular esquerda e ondas Q inferolaterais.
🧪 Associado a: história familiar, síncope inexplicada, e risco aumentado de morte súbita.

5. 🔄 Dextrocardia
Na dextrocardia, o coração está voltado para o lado direito do tórax. Com os eletrodos posicionados à esquerda, V1 e V2 captam os vetores do VE “por trás”, podendo gerar uma onda R alta.
🧪 Pistas diagnósticas: P negativa em D1, eixo desviado para a direita e baixa voltagem de V3 a V6.

6. 💪 Distrofia Muscular de Duchenne
Nessa doença genética ligada ao cromossomo X, a fibrose da parede inferolateral do VE pode gerar ondas R altas em V1/V2 e Q profundas em V5-V6.
🧪 Importante: ECG pode ser marcador precoce de comprometimento miocárdico, mesmo antes de disfunção sistólica evidente.
7. ⚠️ Mau Posicionamento dos Eletrodos Precordiais
Erro técnico comum, especialmente com inversão de V1 com V2 ou deslocamento cranial dos eletrodos.
🧪 Sugestão: repetir o exame, observando cuidadosamente a posição anatômica dos eletrodos.
8. ⚡ Pré-excitação Ventricular
Quando a via acessória está localizada à esquerda, o estímulo ventricular precoce se dirige da esquerda para direita, gerando uma onda delta que contribui para R alta em V1.
🧪 Outros achados: PR curto, alargamento do QRS e alterações secundárias da repolarização ventricular.

9. ➡️ Sobrecarga Ventricular Direita (SVD)
Condicionantes como hipertensão pulmonar, embolia pulmonar ou cardiopatias congênitas podem levar à SVD com padrão qR ou R pura em V1, além de desvio do eixo para a direita.
🧪 Outros sinais: S profunda em V5-V6 e sobrecarga atrial direita (P ≥ 2,5 mm em D2).

10. ✅ Variante da Normalidade
Uma rotação anti-horária do coração pode posicionar o septo mais perpendicular a V1, gerando ondas R maiores. Nesse contexto, o achado é isolado, sem outras alterações patológicas.
🧪 Importante: deve ser considerado diagnóstico de exclusão após afastar causas estruturais e técnicas.
📚 Conclusão
A onda R aumentada em V1 e V2 não deve ser considerada um achado benigno sem análise criteriosa. Sua interpretação depende do contexto clínico, da presença de outras alterações no ECG e, quando necessário, da confirmação por exames de imagem.
Identificar corretamente sua causa pode revelar doenças como CMH, distrofias musculares ou cardiopatias congênitas e, ao mesmo tempo, evitar diagnósticos incorretos em casos de variantes anatômicas ou erros técnicos.
📚 Referencias
- Scheffer MK, De Marchi MFN, de Alencar Neto JN, Felicioni SP. Eletrocardiograma de A a Z. São Paulo: Manole, 2024.