O supradesnivelamento do segmento ST é uma alteração eletrocardiográfica que pode ser observada em várias condições clínicas, algumas delas não relacionadas à isquemia miocárdica. O mito do “supra feliz” surgiu da percepção de que o supradesnivelamento com morfologia côncava indicaria condições benignas ou não isquêmicas, enquanto a morfologia convexa (o chamado “supra triste”) estaria associada ao infarto agudo do miocárdio (IAM). No entanto, essa distinção simplificada não é sustentada pelas evidências científicas.
É comum que jovens, especialmente homens, apresentem elevação do segmento ST nas derivações V2 e V3, que pode variar de 1 a 3 mm, sem que isso tenha qualquer significado patológico. Esse padrão, conhecido como padrão masculino, não deve ser confundido com isquemia. Entretanto, a morfologia não côncava (convexa ou retificada) do segmento ST é altamente específica para isquemia, sendo observada em 97% dos casos de IAM.
Desmistificando o Supra Feliz
O conceito de “supra feliz”, que associa morfologia côncava do segmento ST a condições benignas, foi amplamente disseminado, mas estudos recentes mostram que essa distinção não é tão clara. Um estudo realizado por Smith et al. revelou que a morfologia côncava pode estar presente em até 43% dos casos de oclusão aguda da artéria descendente anterior (OCA). Esse dado mostra que a morfologia côncava do ST não deve ser automaticamente descartada como “benigna”.
Outro estudo de Kosuge et al. explorou a relação entre a forma da elevação do segmento ST e o tamanho do infarto em pacientes com IAM anterior. Embora a morfologia côncava tenha sido associada a infartos de menor extensão e melhor recuperação da função ventricular, isso não exclui a presença de isquemia. Dessa forma, a morfologia do ST, por si só, não é suficiente para determinar a gravidade ou o caráter benigno de uma condição cardíaca.
Importância da Abordagem Abrangente
A distinção entre supradesnivelamento isquêmico e não isquêmico continua sendo um desafio na prática clínica. Embora a morfologia convexa seja mais específica para o diagnóstico de isquemia, é fundamental considerar outros sinais eletrocardiográficos, como o infradesnivelamento recíproco, que é um marcador robusto de IAM. Adicionalmente, a evolução da morfologia do segmento ST ao longo do tempo, passando de côncava para convexa, pode refletir a progressão da isquemia miocárdica.
Portanto, o mito de que a morfologia côncava do ST (o “supra feliz”) é sempre indicativa de condições benignas está incorreto. A interpretação do ECG deve ser feita em conjunto com uma avaliação clínica completa, levando em conta outros achados no eletrocardiograma e a evolução temporal das alterações.
O Novo Paradigma OCA/NOCA
Quer entender mais sobre as complexidades do diagnóstico de oclusão coronária aguda e explorar o novo paradigma de OCA/NOCA? Convidamos você a conhecer as abordagens mais recentes, que vão além da simples morfologia do segmento ST, e a se atualizar sobre os avanços na interpretação do eletrocardiograma. Acesse nossa seção sobre o novo paradigma de OCA/NOCA e aprimore seus conhecimentos em cardiologia!
Referências
- Hiss RG, Lamb LE, Allen MF. Electrocardiographic findings in 67,375 asymptomatic subjects. X. Normal values*. Am J Cardiol. 1960;6(1):200–31.
- Brady WJ, Syverud SA, Beagle C, Perron AD, et al. Electrocardiographic ST-segment elevation: The diagnosis of acute myocardial infarction by morphologic analysis of the ST segment. Acad Emerg Med. 2001;8(10):961–7.
- Smith SW. Upwardly concave ST segment morphology is common in acute left anterior descending coronary occlusion. J Emerg Med. 2006;31(1):69–77.
- Kosuge M, Kimura K, Ishikawa T, Kuji N, et al. Value of ST-segment elevation pattern in predicting infarct size and left ventricular function at discharge in patients with reperfused acute anterior myocardial infarction. Am Heart J. 1999;137(3):522–7.