As taquicardias de complexo QRS alargado são uma condição desafiadora e crítica para o manejo em ambientes de emergência. Estudos demonstram que 80% dessas taquicardias são taquicardias ventriculares (TV), um número que aumenta para 90% na presença de doença cardíaca estrutural subjacente. Neste artigo, vamos explorar os principais pontos no manejo dessas arritmias, destacando as orientações mais recentes e a importância de não depender exclusivamente dos critérios de diferenciação eletrocardiográficos.
Critérios para Diferenciar TV de TSV-A
Embora existam critérios, como os de Brugada e Vereckei, para diferenciar taquicardia ventricular (TV) de taquicardia supraventricular com aberrância (TSV-A), esses critérios têm limitações na prática clínica de emergência. A razão de verossimilhança negativa dos critérios de Vereckei é de 0,34, enquanto a dos critérios de Brugada é de 0,24. Isso significa que mesmo quando aplicados, há uma probabilidade pós-teste considerável (68-75%) de TV, mesmo com critérios negativos.
Outro fator complicador é a falta de dados basais do eletrocardiograma (ECG) dos pacientes. Pacientes com doenças cardíacas congênitas ou com bloqueios de ramo podem apresentar padrões de ECG que imitam taquicardias ventriculares, levando a interpretações errôneas. Além disso, a TV idiopática, como a TV fascicular, muitas vezes se apresenta com padrões que imitam bloqueios de ramo, aumentando o risco de confusão diagnóstica.
O Foco no Estado Clínico do Paciente
Diante de um paciente com taquicardia de complexo QRS alargado, o mais importante é a avaliação do estado clínico do paciente. Se houver sinais de deterioração clínica, como dor torácica, dispneia ou sinais de choque, a cardioversão elétrica sincronizada imediata é indicada, conforme as diretrizes tanto americanas quanto europeias. A aplicação de algoritmos pode, em alguns casos, distrair os profissionais de saúde menos experientes, desviando o foco do tratamento clínico urgente para análises diagnósticas que podem ser feitas posteriormente.
Nos casos em que o paciente está hemodinamicamente estável, a adenosina pode ser utilizada como teste terapêutico, uma vez que ela pode reverter algumas TSV-A e até mesmo algumas formas de TV. Se a adenosina não for eficaz, a administração de antiarrítmicos intravenosos como a procainamida ou a amiodarona é recomendada. É importante observar que as diretrizes europeias diferem ligeiramente, recomendando a cardioversão elétrica em pacientes hemodinamicamente estáveis com taquicardia de QRS alargado, desde que o risco anestésico seja baixo.
Considerações Pós-Estabilização
Após a estabilização do paciente, o envolvimento de um cardiologista ou eletrofisiologista é essencial para determinar o plano de tratamento definitivo. O eletrocardiograma, junto com exames complementares como ecocardiograma ou ressonância magnética cardíaca, pode fornecer informações importantes sobre a etiologia da taquicardia e ajudar na escolha entre tratamentos como ablação ou implante de desfibrilador.
Conclusão
Embora os critérios de diferenciação eletrocardiográfica entre TV e TSV-A sejam ferramentas valiosas, eles não devem ser o foco principal no manejo agudo de taquicardias de QRS alargado em pacientes instáveis. O manejo clínico imediato deve priorizar a estabilização do paciente, com foco na cardioversão elétrica em casos de deterioração clínica. O uso de algoritmos pode ser mais apropriado em fases posteriores, após a estabilização, para direcionar o tratamento definitivo.
Referências
- Alencar JN De, Carvalho GD De, Campelo RT, Felicioni SP, Scheffer MK, Marchi MN De. Manejo de Taquicardias de Complexo QRS Alargado na Sala de Emergência: O Que Realmente Importa. Arq Bras Cardiol. 2024;121(6):1–4.