O ECG erra em pacientes com infarto de DA?

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O infarto agudo do miocárdio (IAM) da parede anterior corresponde à maior mortalidade em curto prazo e à maior deterioração da função ventricular. A apresentação eletrocardiográfica clássica de oclusão coronariana aguda (OCA) é o supradesnivelamento do segmento ST, mas esse achado mais só está presente em 43% dos casos.

Pensando nisso, um novo artigo publicado em Julho de 2025, se propôs a documentar os resultados obtidos a partir de um estudo retrospectivo do tipo caso-controle realizado por especialistas, com apoio de uma IA treinada, para testar até que ponto critérios mais tradicionais conseguem diagnosticar de forma confiável eventos de OCA na artéria descendente anterior.

Quais foram os resultados?

A amostra do estudo continha 808 pacientes com Síndrome Coronariana Aguda. Desses 808 participantes, 755 foram excluídos (pacientes sem ECGs no prontuário eletrônico ou com informações retrospectivas insuficientes disponíveis para determinar o desfecho primário, pacientes com NOCA – ausência de oclusão coronária aguda – e pacientes com OCA de outras coronárias). 

Foram analisados 53 pacientes com uma lesão culpada na DA e fluxo TIMI-0 – classificação para fluxo sanguíneo completamente ausente. Destes, 20 pacientes não apresentavam supra de ST conforme diretrizes e definições atuais (sensibilidade, portanto, de 68%).

Todos os pacientes, contudo, apresentavam algum outro achado de OCA não reconhecido por diretrizes (onda T hiperaguda, distorção terminal de QRS, etc – vide tabela abaixo). Todos esses pacientes tiveram o diagnóstico de OCA dado corretamente pelo analisador humano que conhece os sinais de OCA e pela IA Queen of Hearts.

Frequência de achados de OCA em 20 casos de OCA na DA com fluxo TIMI-0 que não atenderam aos critérios de IAMCSST

Achado eletrocardiográficoFrequência%
Onda T hiperaguda17/2085%
Elevação do ST < 1 mm17/2085%
Onda Q patológica14/2070%
Alterações recíprocas (ST ↓ e/ou T invertida)10/2050%
Distorção terminal do QRS4/2020%
Critérios modificados de Sgarbossa (em BCRE/VPR)0/200%
Desnivelamento do ST máximo em V2–V4 (posterior)0/200%
Elevação de ST em derivações inferiores com ST↓/T- em aVL4/2020%

Análise do critério eletrocardiográfico pela IA

Esses pacientes com OCA que não tinham supra tiveram significativamente maiores tempos porta-balão e maiores picos de troponina (um surrogate plausível para maior tamanho de infarto) do que aqueles pacientes que tiveram a sorte de apresentar um supra.

Em outras palavras, o paradigma OCA-NOCA e os seus achados eletrocardiográficos publicados até aqui possuem acurácia superior no diagnóstico de OCAs de DA em comparação ao paradigma “com supra” x “sem supra”.

Ondas T hiperagudas são mostradas nas derivações V2–V4 e foram destacadas pela IA Queen of Hearts por mapeamento de saliência com sombreamento vertical mais escuro. Fonte: artigo citado. Este paciente possuía OCA e não foi diagnosticado porque não tinha supra.

Resumindo

O supra de ST só está presente em 68% dos pacientes com OCA de DA.

O paradigma OCA-NOCA é superior ao supra para diagnosticar e tratar corretamente esses pacientes.

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Referências

  1. Meyers HP, Sharkey SW, Herman R, de Alencar JN, Shroff GR, Frick WH, et al. Failure of standard contemporary ST-elevation myocardial infarction electrocardiogram criteria to reliably identify acute occlusion of the left anterior descending coronary artery. Eur Heart J Acute Cardiovasc Care. 28 de julho de 2025;zuaf037.
  2. McLaren J, de Alencar JN, Aslanger EK, Meyers HP, Smith SW. From ST-Segment Elevation MI to Occlusion MI: The New Paradigm Shift in Acute Myocardial Infarction. JACC Adv. 2024;3(11):101314.
  3. Alencar JN De, Feres F, Marchi MFN De, Franchini KG, Scheffer MK, Felicioni SP, et al. Além do Paradigma IAMCSST-IAMSSST: Proposta do Instituto Dante Pazzanese para o Diagnóstico de Oclusão Coronariana Aguda. Arq Bras Cardiol. 2024;121(5):e20230733.
  4. de Alencar Neto JN, Scheffer MK, Correia BP, Franchini KG, et al. Systematic review and meta-analysis of diagnostic test accuracy of ST-segment elevation for acute coronary occlusion. Int J Cardiol. 2024;131889.
  • João Vitor Gardelli Trindade

    Estudante de Medicina pela Universidade de Santo Amaro (UNISA), com forte interesse nas áreas de ensino, aprendizagem e divulgação científica. Atualmente, exerço a função de Diretor Científico da Liga de Cardiologia da Faculdade de Medicina da UNISA, além de ter atuado como coordenador do 3º Curso de Eletrocardiografia promovido pela Liga.

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  • Francisco José Alves da Franca Junior

    Estudante de medicina pela Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo. Tenho grande interesse na promoção de Medicina Baseada em Evidências (MBE) voltada a prática clínica. Atualmente engajado em pesquisas sobre cardiologia, especialmente no campo da eletrofisiologia.

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