O Papel Crucial do ECG na Cardiomiopatia Hipertrófica

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O ECG no Diagnóstico da Cardiomiopatia Hipertrófica (CMH)

O ECG é frequentemente o primeiro exame realizado em pacientes com suspeita de CMH e pode ser a única manifestação da doença em estágios iniciais. Embora não exista um padrão eletrocardiográfico patognomônico para CMH, o ECG apresenta algum tipo de alteração em mais de 90% dos pacientes. Essas anormalidades, em conjunto, levantam a suspeita diagnóstica.

  • Anormalidades Atriais: O aumento atrial esquerdo, reflexo de disfunção diastólica e aumento das pressões de enchimento, é comum na CMH e pode ser evidenciado no ECG. Porém, essas anormalidades raramente aparecem isoladas na CMH
  • Pré-excitação Ventricular: A presença de pré-excitação ventricular com importante hipertrofia ventricular esquerda  pode sugerir associações com doenças de armazenamento de glicogênio, como aquelas produzidas por mutações nos genes LAMP2 ou PRKAG2.
  • Ondas Q: Ondas Q profundas e rápidas  (> 25% da onda R e < 30 ms de duração) nas derivações infero-laterais, chamadas de Q “em adaga”, estão entre as características da doença. Quando acompanhadas de ondas R amplas nas derivações V1 a V3 levantam forte suspeita de CMH, na dependência do contexto clínico.
  • Complexo QRS e Hipertrofia Ventricular: Aumento da voltagem do QRS, como a presença de critérios de Cornell e Sokolow-Lyon, é um achado comum. Porém, apenas 2% dos pacientes com CMH apresentam aumentos de voltagem de QRS sem outras anomalias no ECG. Bloqueios de ramo são raros na CMH, podendo aparecer após procedimentos invasivos, como a miectomia septal.
  • Alterações de Repolarização: A presença de ondas T negativas e profundas (> 2 mm), geralmente precedidas por infradesnível de segmento ST nas derivações infero-laterais, são achados muito frequentes na CMH. As chamadas “ondas T gigantes” (T invertidas e > 10 mm de amplitude) nas derivações precordiais são características da CMH apical (doença de Yamaguchi).
  • Prolongamento do Intervalo QTc: O prolongamento do intervalo QTc (> 480 ms) ocorre em 1 de cada 8 pacientes com CMH e parece refletir o remodelamento eletrofisiológico dos cardiomiócitos.
Eletrocardiograma com cardiomiopatia hipertrófica
ECG | Cardiomiopatia hipertrófica

ECG e Estratificação de Risco na CMH

Alguns parâmetros eletrocardiográficos têm demonstrado associação com o prognóstico da doença:

  • Duração do QRS: Um QRS alargado (>120ms) tem sido associado a um maior risco de morte súbita e choque de CDI.
  • Baixa Voltagem do QRS: Voltagens baixas no plano frontal podem indicar fibrose miocárdica extensa e estão associadas a um pior prognóstico.
  • Padrão de “Pseudo-Infarto”: A presença de supradesnível do segmento ST em derivações precordiais tem sido relacionada a um maior risco de eventos adversos.
  • Inversão Patológica da Onda T: Inversões profundas da onda T, especialmente em derivações precordiais, podem indicar um maior risco de arritmias ventriculares.
  • Infradesnível do Segmento ST: Infradesnível do segmento ST > 2mm também pode estar associada a um maior risco.
  • Intervalo QTc: o prolongamento do QTc (> 480ms) tem sido associado ao maior risco de choque apropriado por CDI
  • Ondas Q de necrose: Q com duração > 30 ms indicam fibrose extensa e estão associadas ao maior risco de eventos.

ECG e Diagnósticos Diferenciais na CMH:

O ECG desempenha um papel crucial no diagnóstico diferencial entre CMH sarcomérica e suas fenocópias, bem como na diferenciação entre “coração de atleta” e variantes normais.

CMH Sarcomérica vs. Fenocópias

Ondas Q profundas com ondas T positivas nas mesmas derivações ou inversões gigantes da onda T em derivações anterolaterais sugerem CMH sarcomérica, enquanto um intervalo PR curto e pré-excitação ventricular são mais comuns em doenças de armazenamento. Voltagens baixas do QRS sugerem amiloidose cardíaca.

“Coração de Atleta” vs. CMH

O ECG pode auxiliar na diferenciação entre as adaptações fisiológicas do coração de atleta e a CMH patológica. Critérios isolados de voltagem para hipertrofia ventricular esquerda ou desvio do eixo de QRS para a esquerda sugerem adaptação normal ao exercício. Anormalidades da repolarização, como inversão da onda T em derivações laterais, depressão do segmento ST e ondas Q patológicas, são mais sugestivas de CMH e requerem investigação adicional.

Referências

  1. Finocchiaro G, Sheikh N, Biagini E, Papadakis M, Maurizi N, Sinagra G, et al. The electrocardiogram in the diagnosis and management of patients with hypertrophic cardiomyopathy. Hear Rhythm [Internet]. 2020;17(1):142–51.
  2. Gossios T, Savvatis K, Zegkos T, Ntelios D, Rouskas P, Parcharidou D, et al. Deciphering hypertrophic cardiomyopathy with electrocardiography. Heart Fail Rev [Internet]. 2022;27(4):1313–23.
  3. Scheffer MK, De Marchi MFN, de Alencar Neto JN, Felicioni SP. Eletrocardiograma de A a Z. São Paulo: Manole, 2024.

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  • Sandro Pinelli Felicioni

    Sandro é cardiologista, especialista em Ergometria e Reabilitação Cardíaca, doutor em Ciências pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, onde atua no Setor de Tele-Eletrocardiografia. Também é editor do site Aprenda ECG.

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