Desmistificando a Cardiomiopatia Arritmogênica do Ventrículo Direito

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A Cardiomiopatia Arritmogênica do Ventrículo Direito (CAVD) é uma doença genética rara e potencialmente letal, caracterizada pela substituição progressiva dos miócitos por tecido fibrogorduroso. Essa alteração estrutural cria um ambiente propício para o surgimento de arritmias ventriculares graves e aumenta significativamente o risco de morte súbita.

Neste artigo, vamos explorar de forma aprofundada e didática os achados eletrocardiográficos característicos da CAVD e entender como o ECG pode ser uma ferramenta crucial no diagnóstico precoce dessa condição.

Critérios Eletrocardiográficos

Os principais critérios utilizados na prática clínica são:

  • Onda épsilon: uma pequena deflexão positiva ao final do complexo QRS, indicativa de ativação elétrica tardia.
  • Atraso da ativação terminal: prolongamento da fase final do QRS (> 55 ms), refletindo condução lenta na região afetada.
  • Índice de Nasir: razão entre a a soma da duração dos QRS de V1 a V3 e a soma da duração dos QRS de V4 a V6, sendo considerado positivo quando > 1,2.
  • Fragmentação do QRS: presença de entalhes ou fragmentos dentro do complexo QRS, sugerindo áreas de fibrose e condução heterogênea.
  • Inversão da onda T: inversão das ondas T nas derivações precordiais direitas (V1–V3), indicando alterações na repolarização ventricular.

ECG na Cardiomiopatia Arritmogênica do Ventrículo Direito. Note a presença da onda épsilon em V1, V2 e V3.

Aprofundando nos Critérios Eletrocardiográficos

O Task Force Criteria (TFC), principal ferramenta utilizada para o diagnóstico da CAVD, destaca a importância de uma abordagem multidisciplinar dentro da cardiologia na investigação da doença. Isso porque exames como a ressonância magnética, o ecocardiograma e a ventriculografia, além de dados clínicos do paciente — como a presença de arritmias e o histórico familiar —, compõem junto com o ECG os critérios diagnósticos definidos pelo TFC. Nesse contexto, embora a análise do ECG de 12 derivações não seja obrigatória para o diagnóstico da CAVD, sua interpretação pode ser essencial para aproximar ou afastar essa hipótese diagnóstica, já que o TFC contempla critérios tanto de anormalidades de despolarização quanto de repolarização.

Anormalidades da Despolarização



Maior: Onda épsilon nas derivações precordiais direitas (V1 a V3).
Menores: Potenciais tardios no ECG-AR em pelo menos um dos três parâmetros na ausência de QRS ≥ 110 mg no ECG de 12 derivações.Duração QRS filtrada (fQRS) ≥ 114 ms. Duração de sinais tardios com amplitude < 40 mcV ≥ 38 ms. Raiz quadrada da voltagem nos últimos 40 ms ≤ 20 mcV. Duração da porção final do QRS ≥ 55 ms em V1, V2 ou V3.
Anormalidades da RepolarizaçãoMaior: Ondas T invertidas nas precordiais direitas (V1, V2 e V3) ou se estendendo além de V3 em indivíduos > 14 anos de idade (na ausência de BRD).
Menores: Ondas T invertidas em V1 e V2 em indivíduos > 14 anos de idade (na ausência de BRD).Ondas T invertidas em V1, V2, V3 e V4 em indivíduos > 14 anos de idade (na presença de BRD).
Critérios Eletrocardiográficos do Task Force Criteria para CAVD.

Um ECG completamente normal, sem nenhuma alteração típica da CAVD ou sugestiva de outras cardiopatias, pode estar presente em aproximadamente 12% dos pacientes com a doença. Nesses casos, a realização de exames complementares deve ser cuidadosamente considerada, dado que, como já mencionado, o ECG não é mandatório para o diagnóstico.

A onda épsilon — presente em cerca de 10 a 35% dos casos — é caracterizada por uma deflexão de baixa amplitude entre o final do complexo QRS e o início da onda T (Figura 2), sendo mais bem visualizada nas derivações precordiais direitas.

Onda épsilon

O atraso da ativação terminal ocorre em 5 a 20% dos pacientes e é definido como o intervalo entre o nadir da onda S e o final do QRS em V1-V3 ≥ 55 ms. O índice de Nasir, por sua vez, é calculado pela razão entre a soma da duração dos QRS de V1 a V3 e a soma da duração dos QRS de V4 a V6, sendo considerado positivo quando > 1,2. As fragmentações do QRS, que podem ser confundidas com ondas épsilon, têm baixa especificidade. Já as ondas T invertidas estão presentes na maioria dos casos (83 a 87%) e, quando se estendem até V3, podem indicar estágio avançado da doença e pior prognóstico.

Referências

  1. Scheffer MK, De Marchi MFN, de Alencar Neto JN, Felicioni SP. Eletrocardiograma de A a Z. São Paulo: Manole, 2024.
  2. Nunes De Alencar Neto J, Baranchuk A, Bayés-Genís A, Bayés De Luna A. Arrhythmogenic right ventricular dysplasia/cardiomyopathy: an electrocardiogram-based review. Europace. 2018;20(FI1):f3-12.

Gabriel Scarpioni Barbosa

Acadêmico de Medicina na Faculdade Santa Marcelina, colunista do site Aprenda ECG e Diretor de Pesquisa do Centro Acadêmico Adib Jatene. Apaixonado por eletrocardiografia, se dedica ao estudo e aprofundamento nessa área.