Algoritmos para Localização de Vias Acessórias: Entenda, Compare e Conheça o EPM

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O que é uma via acessória?

Vias acessórias são conexões elétricas anômalas entre os átrios e os ventrículos que escapam do sistema de condução normal do coração. Em indivíduos com a síndrome de Wolff-Parkinson-White (WPW), essas vias podem permitir a condução precoce do impulso elétrico, originando o fenômeno chamado pré-excitação ventricular.

Possíveis localizações das vias acessórias.

O que é pré-excitação ventricular?

A pré-excitação ventricular ocorre quando um impulso elétrico alcança o ventrículo através de uma via acessória, antes de passar pelo nodo atrioventricular (AV). No eletrocardiograma (ECG), isso se traduz por um intervalo PR curto, uma onda delta (sinal de condução precoce) e um complexo QRS alargado.

A presença de pré-excitação pode ser assintomática, mas também pode desencadear arritmias como taquicardia por reentrada atrioventricular, fibrilação atrial pré-excitada ou, em casos graves, fibrilação ventricular.

Eletrocardiograma com pré-excitação ventricular
ECG | Pré-excitação ventricular

Por que localizar a via acessória é importante?

A identificação precisa da localização da via acessória é essencial para o planejamento do procedimento de ablação por cateter, que visa eliminar essa via anômala e prevenir arritmias.

A posição da via acessória determina o acesso vascular necessário (transaórtico ou transseptal), os riscos da ablação (como proximidade com o sistema de condução) e até o tipo de energia utilizada. Por isso, diversos algoritmos eletrocardiográficos foram desenvolvidos para estimar a localização da via com base em características da onda delta e do QRS.

Quais são os principais algoritmos para localização de vias acessórias?

Os algoritmos mais conhecidos usam a polaridade da onda delta, a transição do QRS nas precordiais e a análise da morfologia do QRS em derivações específicas. Entre os principais algoritmos utilizados na prática clínica estão:

  • Arruda et al. (1998)
  • Fitzpatrick et al. (1994)
  • D’Avila et al. (1995)
  • Iturralde et al. (1996)
  • Chiang et al. (1995)
  • Taguchi et al. (2013)
  • EASY-WPW (2023)

Esses algoritmos, embora úteis, apresentam divergência nos resultados em muitos casos, principalmente devido à variabilidade anatômica entre os pacientes, presença de múltiplas vias ou ECGs atípicos.

Um estudo recente mostrou que a acurácia desses algoritmos varia bastante, com taxas de sucesso que na prática clínica raramente ultrapassam 60% quando se exige acerto exato da localização.

Limitações dos algoritmos existentes

Apesar de serem amplamente utilizados, os algoritmos tradicionais têm algumas limitações importantes:

  • Baixa acurácia em ECGs atípicos, especialmente quando a onda delta tem polaridade inesperada.
  • Dificuldade em prever vias localizadas no septo posterior ou em posições epicárdicas.
  • Desempenho inferior em pacientes pediátricos, com biotipos distintos.
  • Em alguns casos, os algoritmos sugerem localizações incompatíveis com os achados intraoperatórios, o que pode comprometer a estratégia inicial de ablação.

O algoritmo EPM: uma proposta da nossa equipe

Frente a essas limitações, nossa equipe desenvolveu o algoritmo EPM, uma abordagem sistemática e didática para localizar vias acessórias com base no ECG.

Como funciona o algoritmo EPM?

O algoritmo é dividido em três etapas:

  1. E – Esquerda ou Direita?
    • Se a onda delta for negativa em D1 ou aVL, ou se R > S em V1, a via é provavelmente esquerda.
  2. P – Posterior ou Anterior?
    • A polaridade da onda delta em D3 define se a via é posterior (negativa) ou anterior (positiva).
  3. M – Migração Precordial (aplicável a vias direitas)
    • A transição do QRS antes de V3 sugere uma via septal; em V4 ou após, sugere via lateral.
Algoritmo EPM utilizado para localização de vias acessórias no eletrocardiograma
Algoritmo EPM

Desempenho do algoritmo EPM

  • Acurácia diagnóstica geral: 51,45% (similar a algoritmos clássicos como Arruda e EASY)
  • Acurácia para localização adjacente: 70,67%
  • Sensibilidade para distinguir vias esquerda vs. direita: 95,73%
  • Excelente variabilidade interobservador (Kappa > 0,9)

Esses resultados, baseados em 138 pacientes de um centro terciário, demonstram que o EPM é confiável, reproduzível e útil na prática clínica.

Conclusão

Localizar vias acessórias com base no ECG é uma ferramenta importante na prática da eletrofisiologia, mas que deve ser utilizada com cautela. Algoritmos ajudam a estimar a posição da via e planejar a ablação, mas falhas são comuns.

O algoritmo EPM oferece uma abordagem simples, lógica e eficaz, especialmente útil para cardiologistas, residentes e eletrofisiologistas em formação. A padronização do raciocínio e a boa acurácia reforçam seu papel como ferramenta complementar no planejamento do tratamento da pré-excitação ventricular.

Referências

  1. Sousa Ferro AC, et al. Algorithms for locating accessory pathways: How far should we trust? J Electrocardiol. 2025;91:153936.
  2. de Alencar Neto JN, et al. EPM algorithm: A stepwise approach to accessory pathway localization in ventricular pre-excitation. J Electrocardiol. 2024;84:1–8.
  3. Arruda MS, McClelland JH, Wang X, Beckman KJ, Widman LE, Gonzalez MD, et al. Development and validation of an ECG algorithm for identifying accessory pathway ablation site in Wolff-Parkinson-White syndrome. J Cardiovasc Electrophysiol 1998;9(1):2–12.
  4. Chiang CE, Chen SA, Teo WS, Tsai DS, Wu TJ, Cheng CC, et al. An accurate stepwise electrocardiographic algorithm for localization of accessory pathways in patients with Wolff-Parkinson-White syndrome from a comprehensive analysis of delta waves and R/S ratio during sinus rhythm. Am J Cardiol 1995;1;76(1): 40–6.
  5. Fitzpatrick AP, Gonzales RP, Lesh MD, Modin GW, Lee RJ, Scheinman MM. New algorithm for the localization of accessory atrioventricular connections using a baseline electrocardiogram. J Am Coll Cardiol 1994;23(1):107–16.
  6. Taguchi Noriko, Yoshida Naoki, Inden Yasuya, Yamamoto Toshihiko, Miyata Shinjiro, Fujita Masaya, et al. A simple algorithm for localizing accessory pathways in patients with Wolff-Parkinson-White syndrome using only the R/S ratio. J Arrhythmia 2013;30(6):439–43
  7. D’Avila A, Brugada J, Skeberis V, Andries E, Sosa E, Brugada P. A fast and reliable algorithm to localize accessory pathways based on the polarity of the QRS complex on the surface ECG during sinus rhythm. Pacing Clin Electrophysiol 1995 Sep;18(9 Pt 1):1615–27.
  8. Iturralde P, Araya-Gomez V, Colin L, Kershenovich S, de Micheli A, Gonzalez- Hermosillo JA. A new ECG algorithm for the localization of accessory pathways using only the polarity of the QRS complex. J Electrocardiol 1996;29(4): 289–99.
  9. El Hamriti M, Braun M, Molatta S, Imnadze G, Khalaph M, Lucas P, et al. EASY- WPW: a novel ECG-algorithm for easy and reliable localization of manifest accessory pathways in children and adults. Europace 2023;25(2):600–9.

Matheus Kiszka Scheffer

Médico do setor de Tele-Eletrocardiografia do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia (IDPC), autor do livro Eletrocardiograma de A a Z e editor-chefe do site "Aprenda ECG". Possui especialização em Eletrofisiologia Clínica e residência médica em Cardiologia e Clínica Médica.