No diagnóstico do infarto agudo do miocárdio (IAM), a distinção entre infarto com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST) e sem supradesnivelamento (IAMSSST) sempre foi fundamental para guiar as decisões terapêuticas. No entanto, o artigo de Alencar et al. (2024) introduz uma discussão inovadora sobre o “paradoxo do sem falso negativo” no diagnóstico de IAMCSST. Vamos explorar como esse conceito desafia a prática clínica atual e seus impactos no manejo da oclusão coronária aguda (OCA).
O Paradoxo do Sem Falso Negativo
O diagnóstico de IAMCSST baseia-se na presença de supradesnivelamento do segmento ST em pelo menos duas derivações contíguas no eletrocardiograma (ECG). Porém, a ausência de “supra” não exclui necessariamente a presença de uma OCA, levando a um diagnóstico de IAMSSST, mesmo quando a fisiopatologia subjacente é semelhante à de um IAMCSST. Esse fenômeno é chamado de “paradoxo do sem falso negativo” porque pacientes sem “supra” podem não ser reconhecidos como portadores de uma condição que se beneficiaria de uma reperfusão imediata, o que resulta em atrasos no tratamento.
O Viés de Incorporação
Um dos fatores que contribuem para esse paradoxo é o viés de incorporação, em que o teste diagnóstico (“supra” no ECG) é parte da própria definição da doença (IAMCSST). Isso faz com que a sensibilidade do teste pareça ser 100%, já que a presença de “supra” é obrigatória para o diagnóstico. No entanto, mais de 50% dos pacientes com OCA não apresentam “supra”, como mostrado em metanálises recentes, o que demonstra que muitos casos de OCA são erroneamente classificados como IAMSSST, quando na verdade poderiam se beneficiar de intervenções rápidas, como a angioplastia.
O Viés de Retroalimentação
Outro viés possível é o viés de retroalimentação, que ocorre quando os profissionais de saúde não recebem feedback sobre os casos em que o diagnóstico de IAMSSST estava incorreto devido à presença não detectada de uma OCA. Como esses pacientes são rotulados como IAMSSST, mesmo após a descoberta de uma OCA durante a hospitalização, os erros diagnósticos não são percebidos, impedindo que os profissionais aprimorem seus processos diagnósticos. Esse ciclo de falta de aprendizado perpetua o problema e impede a evolução das práticas clínicas.
Conforto Cognitivo e Resistência à Mudança
O artigo também discute o conceito de “conforto cognitivo”, no qual os profissionais de saúde se acomodam à familiaridade e à literatura existente que valida o paradigma IAMCSST-IAMSSST. Esse conforto dificulta a adoção de novos paradigmas que melhor representem a fisiopatologia da doença, como o conceito de IAM por OCA sem “supra”. Esse apego ao paradigma tradicional resulta em uma resistência à inovação e à reconsideração crítica dos critérios diagnósticos.
Conclusão
A discussão em torno do “paradoxo do sem falso negativo” no diagnóstico IAMCSST-IAMSSST revela uma necessidade urgente de repensar os critérios que usamos para diagnosticar IAM. É fundamental que os médicos estejam cientes das limitações dos critérios baseados no “supra” e busquem abordagens que reconheçam a presença de OCA em pacientes com IAMSSST, oferecendo-lhes tratamento adequado e tempestivo. Ao desafiar o status quo, podemos avançar em direção a diagnósticos mais precisos e, consequentemente, melhorar os desfechos para os pacientes.
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Referências
- de Alencar JN, Meyers HP, McLaren JTT, Smith SW. No false negative paradox in STEMI-NSTEMI diagnosis. Heart. 2024 Aug 31;heartjnl-2024-324512.
- de Alencar Neto JN, Scheffer MK, Correia BP, Franchini KG, Felicioni SP, De Marchi MFN. Systematic review and meta-analysis of diagnostic test accuracy of ST-segment elevation for acute coronary occlusion. Int J Cardiol. 2024 Feb;131889.