Síndrome de Bayés: o que o clínico precisa saber

No momento, você está visualizando Síndrome de Bayés: o que o clínico precisa saber

Você já analisou um ECG e encontrou um Bloqueio Interatrial (BIA)? Sabemos que esse achado é crucial e bem documentado na literatura (inclusive aqui no Aprenda ECG!). No entanto, o que ele realmente representa para o paciente?

Não se trata apenas de um laudo isolado. Chegou a hora de associar esse achado eletrocardiográfico à sua repercussão clínica. É justamente aqui que entra a discussão sobre a Síndrome de Bayés, ela é a chave para entender o real impacto do BIA e, mais importante, prever possíveis complicações. Continue lendo e descubra como o simples BIA pode esconder um risco muito maior.

Revisão dos Bloqueios Interatriais

  • BIA de 1º Grau (Parcial): Caracteriza-se por uma onda P com duração de 120 ms ou mais, geralmente com morfologia bifásica em derivações como D2, D3 e aVF. A condução é retardada, mas não está completamente bloqueada.
  • BIA de 2º Grau: Neste caso, a condução interatrial pode ser normal ou apresentar características de BIA de 1º ou 3º grau de forma intermitente no mesmo ECG ou em momentos diferentes. É conhecida como “aberrância atrial.”
  • BIA de 3º Grau (Avançado): O impulso é bloqueado na região do feixe de Bachmann e na fossa oval, permitindo condução apenas através do seio coronário. A onda P é prolongada e apresenta morfologia plus-minus em derivações inferiores.
Esquema da ativação atrial em uma Onda P normal (A); na presença de BIA parcial (B) e BIA avançado (C). Conde D, Baranchuk A, Bayés De Luna A. Advanced interatrial block as a substrate of supraventricular tachyarrhythmias: A well recognized syndrome. J Electrocardiol. 2015;48(2):135-40.

A Síndrome de Bayés

Conde e Baranchuk propuseram a nomenclatura “Síndrome de Bayés”, e revolucionaram a maneira com que os clínicos interpretam o laudo eletrocardiográfico “Bloqueio Interatrial”. A base da Síndrome de Bayés é a cardiomiopatia atrial fibrótica, que leva à hipocontratilidade do átrio esquerdo. Essa disfunção causa estase sanguínea e favorece o remodelamento atrial, podendo levar a arritmias supraventriculares como a Fibrilação Atrial (FA). Consequentemente, ocorre um estado de hipercoagulabilidade que não só aumenta a fibrose, mas também ativa a cascata de coagulação, elevando o risco de embolia sistêmica.

Exemplo de ECG com BIA Avançado (3º Grau).

Prognóstico

O BIA está fortemente associado a desfechos clínicos adversos. Em pacientes de meia-idade, o BIA avançado triplica o risco de desenvolver Fibrilação Atrial (FA) e quase dobra o risco de Acidente Vascular Cerebral (AVC). Além disso, também está associado ao aumento da mortalidade cardiovascular e à morte súbita, sendo que em idosos também se associa à mortalidade geral. A relevância do BIA avançado se estende à saúde neurológica: sua presença demonstra uma associação progressiva com o declínio cognitivo e a demência, de forma similar à FA. Essa relação é provavelmente mediada por AVC’s silenciosos e/ou hipoperfusão cerebral crônica. Por conta desses achados, recomenda-se que pacientes com BIA avançado passem por rastreio cognitivo de rotina, e que o BIA seja investigado em casos de comprometimento cognitivo.

Sobrevida livre de FA/Flutter em pacientes com Bloqueio Interatrial Avançado versus BIA Parcial.

Conclusão

A Síndrome de Bayés estabelece o BIA como um preditor de alto risco que reflete uma cardiomiopatia atrial fibrótica subjacente. A presença do BIA avançado no ECG está ligada ao aumento da incidência de FA, AVC e demência. Portanto, este achado não é apenas um diagnóstico eletrocardiográfico, mas sim um alerta essencial para um paciente que requer maior vigilância clínica e consideração de rastreio de complicações tromboembólicas e cognitivas.

Referências

  1. Scheffer MK, De Marchi MFN, de Alencar Neto JN, Felicioni SP. Eletrocardiograma de A a Z. São Paulo: Manole, 2024.
  2. Bayés de Luna A, Fiol-Sala M, Martínez-Sellés M, Baranchuk A. Current ECG aspects of interatrial block. Hearts. 2021;2(3):419-32.
  3. Bayés de Luna A, Martínez-Sellés M, Bayés-Genís A, Elosua R, Baranchuk A. What every clinician should know about Bayés syndrome. Rev Española Cardiol (English ed.). 2020;73(9):758-62.
  4. Bayés de Luna A, Platonov P, Cosio FG, Cygankiewicz I, Pastore C, Baranowski R, et al. Interatrial blocks: a separate entity from left atrial enlargement: a consensus report. J Electrocardiol. 2012;45(5):445-51
  5. Conde D, Baranchuk A, Bayés De Luna A. Advanced interatrial block as a substrate of supraventricular tachyarrhythmias: A well recognized syndrome. J Electrocardiol. 2015;48(2):135-40.
  6. Bayés de Luna A, Oter MCR, Guindo J. Interatrial conduction block with retrograde activation of the left atrium and paroxysmal supraventricular tachyarrhythmias: influence of preventive antiarrhythmic treatment. Int J Cardiol. 1989;22(2):147-50.
  7. Martínez-Sellés M, Elosua R, Ibarrola M, De Andrés M, Díez-Villanueva P, Bayés-Genis A, et al. Advanced interatrial block and P-wave duration are associated with atrial fibrillation and stroke in older adults with heart disease: the Bayes registry. Europace. 2020;22(7):1001-8.
  • Gabriel Scarpioni Barbosa

    Gabriel é acadêmico de Medicina na Faculdade Santa Marcelina, colunista do site Aprenda ECG e Diretor de Pesquisa do Centro Acadêmico Adib Jatene. Apaixonado por eletrocardiografia, dedica-se ao estudo e aprofundamento nessa área.

    Ver todos os posts