Como Analisar o ECG Passo-a-Passo

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O ECG é um exame que combina a complexidade e a beleza da fisiologia cardíaca em um único traçado. Para garantir uma análise completa e sem deixar nenhum detalhe passar despercebido, é fundamental adotar uma sistematização. Essa abordagem não apenas facilita a interpretação, mas também assegura a emissão de um laudo confiável.

Passo 0 – Identifique o paciente

Aqui começa o laudo. Saber se o paciente é hígido ou tem condições que possam alterar a estrutura e função cardíaca e, com isso, o ECG, te dá mais ferramentas para analisar o ECG com uma probabilidade pré-teste existente. Nesse passo, olhamos:

  • Nome
  • Idade
  • Sexo
  • Doenças de base

Passo 1 – Onda P

Sabemos que a atividade elétrica do coração começa nos átrios. O disparo inicial é dado, inicialmente, no nó sinusal, localizado na junção da veia cava superior com o átrio direito. A partir dessas informações, conseguimos identificar o ritmo, a amplitude e largura da onda P. 

Passo 1.1: O ritmo é sinusal? Qual a frequência?

A onda P sinusal deve ser:

  • Positiva em D1, D2 e aVF
  • Plus-minus ou minus em V1
  • Positiva em V6

A frequência cardíaca pode ser medida através 3 métodos:

  • Deve haver de 3 a 6 quadradões entre um batimento e outro
  • Dividir 1500 pelo número de quadradinhos entre dois batimentos consecutivos
  • Multiplicar o número de batimentos contidos em 30 quadradões por 10

Passo 1.2: A onda P é ampla ou larga?

Largura máxima:

  • 3 mm

Se a P estiver mais larga que isso, devemos pensar nos Bloqueios interatriais

Amplitude máxima:

  • 2,5 mm em D2, D3 e aVF.
  • 1,5 mm na porção superior de V1 ou 1,0 mm na porção inferior de V1.

Se a P tiver amplitude maior do que as normais, devemos pensar nas sobrecargas atriais. Se alterada na parede inferior (D2,D3 e aVF), pensamos em sobrecarga atrial direita; se alterada em V1, pensamos em sobrecarga atrial esquerda

Pensou que laudávamos sobrecarga atrial com alargamento de onda P? Vá ler o artigo de bloqueio interatrial aqui no site. 

Passo 2 – Intervalo PQ

É resultado do tempo que engloba inicio da ativação atrial e ativação ventricular, isto é, o tempo que o estímulo leva pra nascer no nó sinusal, ativar os átrios esquerdo e direito e chegar no nó atrioventricular (Nó AV). Medimos ele do início da onda P ao início do complexo QRS. 

Duração normal do intervalo PQ:

  •  ≥ 120 ms
  •  ≤ 200 ms

Se aumentado, pensamos nos bloqueios atrioventriculares. Se diminuídos, devemos buscar a causa, tendo sempre em mente que uma via acessória pode estar presente. 

Passo 3 – Complexo QRS

Aqui começa a ativação ventricular. A atividade de despolarização ventricular é representada pelo complexo QRS. Vemos eixo, duração do QRS e amplitude. Desvios do eixo podem ser resultados das trocas de eletrodos mas também podem nos dar dicas sobre doenças. 

Passo 3.1: Eixo elétrico

O eixo elétrico cardíaco é normal quando:

  • O complexo QRS de D1 e D2 são predominantemente positivos.
  • Se negativos em D1, D2 ou em D1 e D2, pensamos em bloqueios. 
  • Negativo em D1, positivo em D2: Desvio para a direita.
  • Negativo em D2, positivo em D1: Desvio para a esquerda.
  • Negativo em D1 e D2: Possível desvio extremo do eixo elétrico. 

Passo 3.2: Duração

Duração normal do complexo QRS:

  • ≥ 120 ms

Se maior que isso, pensar em bloqueio de ramo. 

Passo 3.3: Amplitude

Dica do V3:

Passo 3.4: Zonas Inativas

Cicatrizes ou fibroses cardíacas geram:

Passo 4 – Segmento ST

Na imagem acima, vários exemplos de supradesnivelamento do segmento ST. Aqui no ST e na onda T estamos falando da repolarização ventricular. Alterações no ST e na T podem ser primárias ou secundárias. O contexto e a clínica dirão a qual grupo as alterações pertencem. 

Procurar por supradesnivelamentos ou infradesnivelamentos. A classificação de supradesnivelamento é dada da seguinte forma:

  • Maior que 1 mm em todas as derivações, exceto V2 e V3.
  • Maior que 1,5 mm em V2 e V3 (mulheres).
  • Maior que 2 mm em V2 e V3 (homens ≥ 40 anos).
  • Maior que 2,5 mm em V2 e V3 (homens < 40 anos).

Inúmeras condiçoes podem provocar aparecimento de supra no eletro, inclusive o infarto. Novamente, presença de supra não significa presença de infarto. Até 60% dos pacientes com Oclusão coronária aguda podem não apresentar supra ao ECG. Correlacionar o achado dos supras ou infras com a clínica, nesse passo, é mandatório. 

Para interpretar os achados do segmento ST, iremos para o próximo passo: a onda T.

Passo 5 – Onda T                                  

Como o ST, também diz respeito à repolarização ventricular. Alterações nesta onda podem ser de origem primária ou secundária. 

Morfologia:

  • Onda T é assimétrica, com subida mais lenta que a descida.
  • Deve ser positiva em todas as derivações, exceto:
    • aVR, D3 e V1, onde pode ser negativa.
    • V2 e V3 em mulheres e crianças, onde também pode ser negativa.

Uma onda T primária é simétrica, e pode indicar:

  • Isquemia
  • Problemas nos canais iônicos ou eletrólitos

Uma onda T secundária é assimétrica, e pode indicar:

  • Despolarização anormal
  • Geometria anormal
  • Contração anormal

Referências

  1. de Alencar Neto JN, de Jesus Oliveira MH. ECG Passo a Passo. São Paulo, 2024.
  2. Scheffer MK, De Marchi MFN, de Alencar Neto JN, Felicioni SP. Eletrocardiograma de A a Z. São Paulo: Manole, 2024.
  3. Scheffer MK, Ohe LN, de Alencar Neto JN. Manual Prático de eletrocardiograma. 2022.
  4. Alencar JN. Tratado de ECG. 2022.
  • Gabriel Scarpioni Barbosa

    Gabriel é acadêmico de Medicina na Faculdade Santa Marcelina, colunista do site Aprenda ECG e Diretor de Pesquisa do Centro Acadêmico Adib Jatene. Apaixonado por eletrocardiografia, dedica-se ao estudo e aprofundamento nessa área.

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  • Marcio Henrique de Jesus Oliveira

    Márcio Henrique é interno de medicina da Universidade Federal de Uberlândia, frequentando e aprendendo no hospital desde as primeiras semanas de aula, com intercâmbio na Harvard Medical School em 2021 e visitas a hospitais como Hospital das Clínicas da USP, Instituto Dante Pazzanese de cardiologia, Hospital Israelita Albert Einstein, Hospital Santa Marcelina e Unidades de pronto atendimento da cidade de São Paulo. Fã de eletro e coautor do livro ECG Passo a Passo com o Professor José Alencar.

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