Talvez você já tenha escutado que há sinais inequívocos de Tromboembolismo Pulmonar (TEP) no ECG, como o sinal de McGinn-White, também conhecido como padrão S1Q3T3, um achado específico e, portanto, supostamente determinante no diagnóstico da doença.
Mas será mesmo que o ECG em geral e o sinal de McGinn-White em particular são tão poderosos assim para diagnosticar essa doença? Quais são os outros sinais eletrocardiográficos clássicos de TEP? O quanto o ECG deve influenciar nossa suspeição clínica para essa enfermidade potencialmente letal?
Quais são os sinais eletrocardiográficos clássicos do TEP?
Embora o ECG seja amplamente utilizado na triagem inicial de pacientes com suspeita de TEP, sua acurácia diagnóstica é limitada. Entre os achados mais tradicionalmente ensinados, estão:
- Taquicardia (FC > 100 bpm)
- Ondas T negativas ou achatadas em pelo menos duas derivações inferiores
- R > S em V1
- Supra de ST > 1 mm em D3
- Padrão S1Q3T3 (onda S em D1, onda Q e T negativa em D3), contendo ou não onda Q proeminente (≥ 1,5 mm)
- Bloqueio de ramo direito (completo ou incompleto)
- Desvio do eixo cardíaco para a direita (> 90°)
- Padrão de strain do ventrículo direito (inversão ou achatamento de T + infra-ST ≥ 0,5 mm em pelo menos duas derivações inferiores e duas derivações anteriores de V1 a V3)
Esses sinais realmente ajudam no diagnóstico?
Um novo estudo de Smaniotto, José Alencar e colaboradores avaliou 273 pacientes com suspeita de TEP em um hospital terciário (Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia), comparando achados do ECG com o diagnóstico confirmado por angiotomografia pulmonar (CTPA). A análise demonstrou que:
- Apenas a taquicardia (OR 1,93) e a inversão de ondas T em pelo menos duas derivações inferiores (OR 1,82) foram independentemente associadas ao diagnóstico de TEP.
- Apesar de moderada especificidade (85,9%), o clássico padrão S1Q3T3 obteve uma razão de verossimilhança positiva (LR+) de apenas 2,07; o que indica utilidade clínica marginal.
- O padrão de strain do ventrículo direito, com inversão ou achatamento de ondas T em ao menos 2 derivações anteriores e 2 inferiores, teve uma LR+ de 4,75; sendo o mais significativo entre os critérios avaliados – ainda assim, com valor diagnóstico limitado.
O que isso significa na prática?
Mesmo os achados “clássicos” de ECG não devem ser usados isoladamente para confirmar ou excluir TEP. No melhor cenário, eles aumentam de forma modesta a probabilidade diagnóstica.
Imagine, por exemplo, um paciente idoso do sexo masculino, com histórico de hipertensão e dislipidemia, que chega ao pronto-socorro com dor torácica, dispneia, hemoptise e uma frequência cardíaca de 95 bpm. Numa avaliação clínica inicial, pelo escore de Wells, tal paciente teria um escore de 1,5 pontos devido à hemoptise e, consequentemente, probabilidade pré-teste de aproximadamente 1,3% para TEP. Ao ECG, tem-se apenas o clássico padrão S1Q3T3 (LR+ = 2,07) como alteração eletrocardiográfica notável para TEP. Dessa forma, a probabilidade pós-teste para essa enfermidade após realizado o ECG aumentaria para apenas 2,7%; conforme o nomograma de Fagan abaixo (gerado no site https://ferramentasmbe.netlify.app/):
Isso mostra a baixa relevância clínica de um dos sinais eletrocardiográficos classicamente mais associados ao tromboembolismo pulmonar, pelo menos em graduações e provas de residência médica.
Então o ECG não serve para nada no TEP?
Não é bem assim. Embora tenha baixa acurácia diagnóstica, o ECG pode ter valor prognóstico. Estudos mostram que certos achados, como bloqueio de ramo direito completo ou padrão de strain, estão associados a pior evolução clínica e disfunção do ventrículo direito — mas não devem ser utilizados como ferramenta isolada de triagem diagnóstica.
Conclusão
O ECG continua sendo um exame de baixo custo, disponível e útil no contexto de emergência, mas não deve ser superestimado no diagnóstico de TEP. Os sinais eletrocardiográficos clássicos têm utilidade marginal na investigação desta doença. A abordagem diagnóstica deve integrar avaliação clínica estruturada (como o escore de Wells), marcadores laboratoriais (como o D-dímero) e exames de imagem, sendo a angiotomografia o padrão-ouro para confirmação.
Referências
- Smaniotto MF, Alencar E Silva GPS, Heringer J de N, Almeida MT de C, Scheffer MK, Felicioni SP, et al. Classical ECG findings in pulmonary embolism have minimal diagnostic accuracy: A cross-sectional study. J Investig Med Off Publ Am Fed Clin Res. 30 de junho de 2025;10815589251357621.
- McGINN S, WHITE PD. ACUTE COR PULMONALE RESULTING FROM PULMONARY EMBOLISM: ITS CLINICAL RECOGNITION. J Am Med Assoc. 27 de abril de 1935;104(17):1473–80.
- Scheffer MK, De Marchi MFN, de Alencar Neto JN, Felicioni SP. Eletrocardiograma de A a Z. São Paulo: Manole, 2024.