O bloqueio de ramo esquerdo (BRE) é uma alteração eletrocardiográfica caracterizada por um atraso na condução elétrica pelo ramo esquerdo do feixe de His. Essa condição resulta em uma ativação ventricular anômala, alterando de forma significativa a sequência normal de despolarização cardíaca. O BRE pode estar associado a diversas doenças cardíacas estruturais e tem impacto prognóstico importante.
Mecanismo do Bloqueio de Ramo Esquerdo
No BRE, o impulso elétrico é conduzido normalmente pelo ramo direito, despolarizando primeiramente o ventrículo direito. A despolarização do ventrículo esquerdo ocorre de forma retrógrada e atrasada, através da musculatura ventricular. Isso gera um complexo QRS alargado e alterações características no eletrocardiograma.
A ativação ventricular no BRE ocorre em três fases principais:
- Ativação inicial pelo ramo direito: ocorre normalmente, sem atraso.
- Despolarização transseptal: ocorre da direita para esquerda, alterando a morfologia do QRS.
- Despolarização tardia do ventrículo esquerdo: resulta nas ondas R alargadas e entalhadas nas derivações laterais.
Critérios Eletrocardiográficos para Diagnóstico de BRE
Os critérios clássicos para o diagnóstico de BRE incluem:
- Duração do QRS ≥ 120 ms
- Ausência de onda “q” em D1, aVL, V5 e V6 (algumas variantes podem apresentar onda “q” em aVL)
- Ondas R alargadas, com entalhes ou empastamentos em D1, aVL, V5 e V6
- Ondas “r” com crescimento lento de V1 a V3, podendo ocorrer padrão QS
- Deflexão intrinsecoide ≥ 50 ms em V5 e V6
- Eixo do QRS entre -30° e +60°
- Depressão do segmento ST e inversão da onda T em oposição ao retardo médio-terminal

Os critérios de Strauss propõem um diagnóstico mais rigoroso do BRE, incluindo:
- QRS > 140 ms em homens e > 130 ms em mulheres
- QS ou rS em V1 e V2
- Entalhes ou empastamento na porção média do QRS em pelo menos duas derivações (V1, V2, V5, V6, D1 e aVL)
Considerações Clínicas e Eletrocardiográficas
- O BRE raramente ocorre em corações estruturalmente normais e sua presença deve levar à investigação de cardiopatias subjacentes.
- Sua prevalência na população geral é inferior a 1%, aumentando com a idade.
- O prognóstico do BRE varia conforme a doença cardíaca associada.
- Quando presente em pacientes com doença arterial coronariana ou insuficiência cardíaca, o BRE é um preditor independente de mortalidade.
- Em pacientes assintomáticos e sem cardiopatia estrutural, o impacto prognóstico do BRE ainda é controverso.
- A terapia de ressincronização cardíaca (TRC) pode ser benéfica para pacientes sintomáticos com insuficiência cardíaca e fração de ejeção reduzida, especialmente se o QRS for ≥ 150 ms e apresentar morfologia de BRE.
Etiologias do Bloqueio de Ramo Esquerdo
O BRE pode ser causado por diversas condições, incluindo:
- Cardiomiopatias
- Doenças valvares (especialmente estenose aórtica)
- Doença arterial coronariana e isquemia miocárdica
- Hipertensão arterial
- Miocardite
- Doença degenerativa do sistema de condução (doença de Lev-Lenegre)
- Procedimentos cirúrgicos cardíacos, como implante transcateter de válvula aórtica (TAVI)
Conclusão
O bloqueio de ramo esquerdo é uma importante alteração eletrocardiográfica com impacto clínico variável. Sua presença exige uma avaliação detalhada para identificação de doenças cardíacas subjacentes, e seu reconhecimento é fundamental para a estratificação de risco e conduta clínica.
Referências
- Scheffer MK, De Marchi MFN, de Alencar Neto JN, Felicioni SP. Eletrocardiograma de A a Z. São Paulo: Manole, 2024.
- Samesima N, God EG, Kruse JCL, Leal MG, et al. Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre a Análise e Emissão de Laudos Eletrocardiográficos – 2022. Arq Bras Cardiol. 2022;93(3 Suppl 2):2–19.
- Strauss DG, Selvester RH, Wagner GS. Defining left bundle branch block in the era of cardiac resynchronization therapy. Am J Cardiol. 2011;107(6):927–34.