Introdução
O diagnóstico de Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) vive um momento de transição. Por muito tempo, o modelo IAMCSST-IAMSSST (infarto com supra de ST vs. infarto sem supra de ST) orientou o tratamento de eventos coronarianos agudos. Embora tenha contribuído para melhorias importantes, mostra limitações ao lidar com cenários em que o ECG não apresenta o “clássico” supradesnivelamento de ST, mas em que há oclusão coronária.
Neste texto, nós sugerimos uma revisão desse paradigma. Em vez de separar pacientes em IAMCSST ou IAMSSST, propomos os termos OCA (Oclusão Coronária Aguda) e NOCA (Ausência de Oclusão Coronária Aguda). Essa nova classificação enfatiza a realidade anatômica e fisiológica do evento, indo além das simples alterações eletrocardiográficas. Nosso objetivo é fomentar o debate na cardiologia brasileira acerca de estratégias mais eficazes para o tratamento do IAM.
Breve Histórico do Modelo IAMCSST-IAMSSST
Desde a virada do século, o IAM é tradicionalmente categorizado apenas a partir de achados no eletrocardiograma (ECG). A presença de supradesnivelamento do segmento ST determinou a divisão entre IAMCSST e IAMSSST. Esse novo modelo substituiu a antiga denominação “IAM com onda Q” e “IAM sem onda Q” e ajudou a impulsionar a terapia de reperfusão, especialmente por trombólise.
Entretanto, logo surgiram evidências de que uma parte expressiva de pacientes com artérias de fato ocluídas não preenche os critérios de IAMCSST. Em outras palavras, mesmo sem supradesnivelamento de ST, eles podem ter a coronária totalmente obstruída e precisariam de reperfusão urgente.
As Limitações do Paradigma IAMCSST vs. IAMSSST
Eu e nossa equipe demonstramos em uma importante metanálise que a sensibilidade do supradesnivelamento de ST para identificar oclusões é de apenas 43,6%. Ou seja, de cada 100 pacientes com artéria ocluída, apenas 43,6% terão o supra de ST “clássico” no ECG. É um índice baixo para um sinal que costumava ser considerado a principal “porta de entrada” para a reperfusão imediata. Quando não há esse supra, a probabilidade de subtratamento é grande.
Além disso, diversos registros clínicos apontam que um percentual substancial de pacientes rotulados como IAMSSST apresenta fluxo coronário TIMI 0 (com a artéria completamente obstruída), mortalidade elevada e infartos extensos. O problema é que, ao se definir a necessidade de reperfusão emergencial exclusivamente pelo supra de ST, esses pacientes ficam de fora da estratégia imediata de abrir a coronária.
A Urgência do Tratamento em Artérias Coronárias Ocluídas: Tempo é Miocárdio
Em casos de OCA, o adiamento da reperfusão pode levar a perdas irreversíveis do músculo cardíaco. Enquanto o troponina é um importante biomarcador de lesão miocárdica, ele leva tempo para se elevar e não distingue, de forma aguda, uma artéria totalmente ocluída de outras situações.
Citam-se com frequência alguns ensaios que não mostram vantagem clara na intervenção precoce para IAMSSST. Entretanto, grande parte desses estudos definiu “precocidade” como algo em torno de 16 a 4,7 horas — muito acima do padrão estabelecido para o IAMCSST (até 90 minutos). Além disso, um percentual significativo dos pacientes recrutados em certos ensaios não tinha troponina positiva (quadro de angina instável), o que dilui os resultados. Em contrapartida, pesquisas que avaliaram uma abordagem realmente emergencial, em torno de 1 a 2 horas, sugerem redução de mortalidade e novos infartos.
Dessa forma, não se propõe a reperfusão imediata para todo IAMSSST, mas sim uma busca ativa pelos casos de OCA dentro desse grupo, sobretudo para quem mantém dor torácica persistente e sinais eletrocardiográficos menos evidentes.
O Novo Paradigma: OCA-NOCA
Para ultrapassar os limites do modelo tradicional, foi sugerida a abordagem OCA-NOCA, focada em dados anatômicos e fisiológicos:
- OCA (Oclusão Coronária Aguda): Situações em que há artéria ocluída ou quase ocluída, com risco de infarto transmural extenso. Esses pacientes demandam reperfusão imediata, independente de o ECG mostrar ou não o supradesnivelamento de ST.
- NOCA (Ausência de Oclusão Coronária Aguda): Pacientes em que não existe oclusão total. Apesar de ainda haver risco de trombose ou isquemia futura, geralmente não há necessidade de reperfusão emergencial. Troponina e outros métodos podem ser usados sem tanta pressa, permitindo uma decisão mais ponderada.
Esse modelo ajuda a priorizar o aspecto estrutural da doença, evitando que pacientes com artéria obstruída fiquem sem tratamento emergencial por não exibirem sinais “clássicos” no ECG.

Nossa Proposta de Abordagem para Pacientes com Dor Torácica no Pronto-Socorro
Para melhorar a identificação de OCA, sugerimos as seguintes etapas:
- ECG imediato (até 10 minutos): Todo paciente com fatores de risco e quadro sugestivo de dor torácica isquêmica deve ter um eletrocardiograma prontamente realizado.
- Buscar o supradesnivelamento de ST: Mesmo sendo um sinal importante, é insuficiente para excluir OCA. Por isso, requer avaliação minuciosa.
- Pesquisar outros indícios de OCA:
- Supradesnivelamento de ST sutil, ondas T hiperagudas ou distorções do QRS.
- Rebaixamentos de ST em derivações específicas, sugerindo isquemia transmural.
- Padrões eletrocardiográficos atípicos que podem indicar oclusões (por exemplo, “padrão de de Winter” ou critérios especiais em presença de bloqueios).
- ECGs seriados e comparação com traçados anteriores: Alterações dinâmicas reforçam a hipótese de isquemia mesmo quando o primeiro ECG é normal ou inconclusivo.
- Tratamento antianginoso e avaliação dos sintomas: Em caso de dor contínua, deve-se considerar encaminhamento imediato para cateterismo, mesmo sem “critérios clássicos” de IAMCSST.
Conclusão
O paradigma baseado apenas no supradesnivelamento de ST (IAMCSST vs. IAMSSST) não abrange todos os casos de IAM em que a artéria está realmente ocluída. A proposta OCA-NOCA permite uma visão mais anatômica e fisiológica, direcionando o foco para a artéria que precisa ser aberta rapidamente. A sensibilidade limitada do “supra de ST” (43,6%, segundo de Alencar et al. 2024) evidencia a necessidade de um olhar mais abrangente, capaz de detectar sinais sutis de oclusão.
Ao incorporar técnicas avançadas de análise de ECG, uso de imagem e vigilância contínua para pacientes em risco, a cardiologia pode oferecer um tratamento mais acertado e oportuno, preservando músculo cardíaco e melhorando resultados clínicos. Em última instância, essa nova forma de abordar o IAM pode redefinir a prática, garantindo atenção diferenciada a quem realmente precisa de reperfusão urgente.
Referências
- McLaren J, de Alencar JN, Aslanger EK, Meyers HP, Smith SW. From ST-Segment Elevation MI to Occlusion MI: The New Paradigm Shift in Acute Myocardial Infarction. JACC Adv. 2024;3(11):101314.
- Alencar JN De, Feres F, Marchi MFN De, Franchini KG, Scheffer MK, Felicioni SP, et al. Além do Paradigma IAMCSST-IAMSSST: Proposta do Instituto Dante Pazzanese para o Diagnóstico de Oclusão Coronariana Aguda. Arq Bras Cardiol. 2024;121(5):e20230733.
- de Alencar Neto JN, Scheffer MK, Correia BP, Franchini KG, et al. Systematic review and meta-analysis of diagnostic test accuracy of ST-segment elevation for acute coronary occlusion. Int J Cardiol. 2024;131889.
- McLaren J, de Alencar JN, Aslanger EK, Meyers HP, Smith SW. From ST-Segment Elevation MI to Occlusion MI: The New Paradigm Shift in Acute Myocardial Infarction. JACC Adv. 2024;3(11):101314.
- Aslanger EK, Yıldırımtürk Ö, Şimşek B, Bozbeyoğlu E, et al. DIagnostic accuracy oF electrocardiogram for acute coronary OCClUsion resuLTing in myocardial infarction (DIFOCCULT Study). IJC Hear Vasc. 2020;30.