A onda P, nas derivações D2, D3 e aVF, deve ter até 120 ms de duração. Quando ultrapassa esse limite, é considerada larga e pode sugerir alterações nos átrios. No entanto, há um debate interessante envolvendo mitos e paradigmas antigos sobre o real significado dessa alteração: estaria ela relacionada à sobrecarga atrial esquerda (SAE) ou, na verdade, a um bloqueio interatrial (BIA)?
Desconstruindo o paradigma
Para responder à dúvida proposta neste artigo, é importante revisitar alguns conceitos da medicina baseada em evidências.
A presença de uma onda P com duração maior ou igual a 120 ms nas derivações D2, D3 ou aVF, quando utilizada como critério para laudar SAE, apresenta uma razão de verossimilhança positiva (RV+) de 0,94 e uma razão de verossimilhança negativa (RV-) de 1,14. Esses valores indicam que a presença dessa alteração reduz a chance de SAE (devido à RV+ ser inferior a 1), enquanto sua ausência aumenta essa probabilidade (pela RV- ser superior a 1). Com base nesses dados, fica claro que a largura da onda P não é um critério confiável para o diagnóstico de SAE, sendo o índice de morris um critério mais acurado para esse objetivo.
Por outro lado, estudos utilizando ecocardiograma e ressonância magnética demonstram que a onda P alargada está mais associada ao BIA do que à SAE. Assim, a presença de uma onda P com duração maior ou igual a 120 ms em D2, D3 e aVF é um indicativo de BIA, e não de SAE.
Com isso, percebemos que a interpretação da onda P alargada traz uma lógica semelhante à do complexo QRS nos ventrículos: enquanto o alargamento da onda P indica BIA, uma onda P ampla pode sugerir sobrecarga atrial, assim como um QRS alargado aponta para bloqueio de ramo e um QRS amplo, para sobrecarga ventricular.

Descubra mais
Para rever os principais conceitos abordados aqui, veja nossas postagens sobre Sobrecarga Atrial Esquerda e Bloqueio Interatrial.
Referências
- Scheffer MK, De Marchi MFN, de Alencar Neto JN, Felicioni SP. Eletrocardiograma de A a Z. São Paulo: Manole, 2024.
- Alencar JN. Tratado de ECG. São Paulo: Manole, 2022.
- Tsao CW, Josephson ME, Hauser TH, O’Halloran TD, Agarwal A, Manning WJ, et al. Accuracy of electrocardiographic criteria for atrial enlargement: validation with cardiovascular magnetic resonance. J Cardiovasc Magn Reson. 2008;10(1):1-7.